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Lei de Renúncia Fiscal de Incentivo a Cultura

Adriana Donato

As leis de incentivo à cultura se baseiam em essência no princípio da Renúncia Fiscal. Nelas o poder público abre mão da cobrança de um percentual do imposto, seja Federal, Estadual ou Municipal, para que a iniciativa privada passe a investir em determinado setor cultural.

Essas leis são uma tendência na economia da cultura mundial. Nos Estados Unidos e nos Países da Europa, possuem semelhança na forma de subsídios e patrocínio da cultura, seguem, assim, o modelo de administração direta. Já na Grã-Bretanha há certa similaridade com Brasil, onde se aplicam a administração indireta propiciando, dessa maneira, um contexto favorável as empresas privadas, conforme examinaremos a seguir.

Com o surgimento das leis de incentivo, aumentou o interesse do mercado da cultura, segmento esse que cresce cada vez mais. Em 2010 a economia da cultura alcançou 5% da economia nacional, isso é positivo para a economia cultural e para cadeia artística. O fomento gera emprego e aumenta a relação de trabalho, calcula-se que 5% dos trabalhadores participem desse mercado.

É de competência comum da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, proporcionar os meios de acesso à cultura[1]. Nesse sentido a Constituição Brasileira de 1988 definiu com maior precisão que o Estado deveria considerar “cultura” como esfera de atividade pública.

No Brasil, a Lei nº 7.505, de 02 de julho de 1986 (Lei Sarney) já previa a concessão de benefícios fiscais federais, sob o imposto de renda na modalidade de mecenato concedidos a operações de caráter cultural ou artístico. O Estado contribuia com maior parte por meio da renúncia fiscal, naquela época críticava-se, que se de um lado tínhamos a prestação de contas , de outro não existia um controle efetivo sobre os projetos. Em 1991, foi criada a Lei n° 8.313, conhecida como a Lei Rouanet,posteriormente foi regulamentada em 1995, através do Decreto n° 1.494/95, que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Esse novo diploma legal, restabelecendo “princípios” da Lei Sarney, nas palavras de Carlos Alberto Dório, tinha como objetivo “captar e canalizar recursos para o setor”, de modo a contribuir para a gestão pública da cultura. A diferença era sutil, mas essencial[2].

Hoje se discute a reforma da Lei Rouanet. Entre as críticas, que embasam a necessidade de mudança desta legislação, destaco duas que considero importantes: Primeira é de que a Lei deveria estabelecer critérios para maior distribuição dos recursos entre as cadeias produtivas culturais e entre as regiões, já que hoje em sua maioria, estão concentrados na região Sudeste. Desta forma proporcionaria uma distribuição mais equilibrada. Segunda, é a forma de administração indireta que facilita o setor privado e conseqüentemente a própria inversão de valores.

Nas leis de renúncia fiscal, o Estado abre mão de uma parte do imposto e transfere o poder de decidir para as empresas. Essas possuem autonomia na hora de escolher quem irão patrocinar, se utilizando para isso de recursos públicos. Tais instituições optam por escolherem quem já está inserido no mercado cultural: grandes eventos, artistas de renome, instituições culturais já reconhecidas e desta forma só alguns são beneficiados. O financiamento público acaba favorecendo as empresas privadas, e invertendo a lógica, sendo elas consideradas os grandes patrocinadores das artes.

CHIN TAO WU, em seu livro a Privatização da cultura[3], descreve sobre a intervenção corporativa nas artes, o interesse do sistema privado em investir no setor cultural, o que caracteriza essa inversão de valores, e por isso questiona-se a liberdade e o crescimento de investimento neste mercado, com o uso de recursos públicos.

Desta forma se estabelece o financiamento da cultura por intermédio de renúncia fiscal, deixando de lado a principal missão pública, que seria o de articular a democracia cultural.

Um dos critérios das leis de incentivo, do ponto de vista conceitual, é o investimento em projetos com maior “interesse social”, a ampliação do acesso à arte pela população. A Lei Rouanet, por exemplo, hoje estabelece critérios que inclui as três dimensões da cultura, são elas: Expressão Simbólica, Cidadania e Economia.

A Dimensão Simbólica traz uma abordagem antropológica, nas diferentes formas que a cultura brasileira se manifesta. É também uma forma de estimular a valorizar o capital simbólico, os laços de identidade entre os brasileiros. A Cidadania significa dar acesso aos bens e equipamentos culturais, no Brasil ha uma grande desigualdade, apenas uma pequena parcela da população brasileira tem o hábito de freqüentar teatros, museus ou cinemas. Sem contar que, as infra-estruturas, ainda estão concentradas nas em regiões centrais, ou seja, a maioria da população não tem acesso.

A econômica é para a realização das políticas públicas, para evitar os monopólios comerciais e estimular as atividades que geram rendimento financeiro nas atividades culturais. Isso reafirma o conceito de Economia da Cultura com o lançamento de políticas públicas, estudos de cadeias produtivas e capacitação dos agentes deste setor.

No entanto, a maior parte dos projetos hoje aprovados pelo MinC e executados, nem sempre contemplam esses critérios. E ainda, a falta de fiscalização por parte do Ministério, proporciona o surgimento de museus, fundações culturais, salas de espetáculos, que estão à disposição de um público específico e reservado, muitos inclusive com cobranças de ingressos não acessíveis a população em geral. E, que por muitas vezes são confundidas com patrocínios privados. Poucos sabem que são mantidas e financiadas com dinheiro público.

As leis de incentivo à cultura possuem por fundamento: a preservação do patrimônio cultural, acesso à cultura, estimulo à criação artística, democratização aos recursos públicos e difusão cultural.

Ocorre que a grande parte da sociedade ainda é carente e desconhece tais recursos, por outro lado há poucos que conhecem, centralizando e utilizando-se muitas vezes de forma não apropriada fugindo de tais critérios.

No entanto, apresentar uma nova Lei ou estabelecer novos critérios para descentralização dos recursos, em área geográfica e aos produtores culturais, não basta, é importante lembrar que as leis de incentivo têm em seu papel principal, como refere a nossa Constituição, acessibilidade e difusão da cultura.

Nesse sentido, o poder público poderia investir na maior participação da sociedade, na superação das desigualdades e diferenças regionais.

Desta forma poderia apoiar a difusão e a promoção do mercado cultural, se for democrático e atender as finalidades das leis de incentivo. Não há problemas, o mercado da arte ainda está à espera, e afinal, ganhar dinheiro com arte não é nenhum pecado.

Assim, é por meio de uma política de equilíbrio, unindo os interesses públicos e privados, que podemos fortalecer as leis de incentivo, em especial a Lei do Mecenato. Nesse ponto a Lei de nº 8.313/91 assume um papel importante: incentivar a iniciativa privada a patrocinar mais projetos culturais, desde que, valorizando a cultura, o interesse social e respeitando a fonte de recursos, que é em última análise, o orçamento público.


[1] Art. 23, inciso V da Constituição Federal.

[2] www. pphp.uol.com.br/tropic


Adriana Donato: Gestora Cultural, Pesquisadora em Política Cultural e Economia da Cultura

Este artigo foi publicado em 26 janeiro 2011 no: www.culturaemercado.com.br